Ela ficou
conhecida como a garota da janela pelos vizinhos dos prédios ao lado, todos os
dias antes do sol se pôr ela se sentava no batente da janela e ficava olhando a
vida atrás dos vidros. Na rua abaixo os carros passavam velozes e o outono
espalhava seus rastros nas calçadas, disputando espaço com as várias pegadas
que enchiam aquela cidade. Como não seria diferente, hoje ela estava
confortavelmente sentada na janela, os longos cabelos soltos estavam protegidos
do vento graças ao vidro, o olhar negro observava a rua embaixo, vagando pouco
depois para o céu que hoje tinha um tom alaranjado.
Ela estava
calma, mas não sorria.
Seu rosto era
neutro e apenas seus olhos se moviam com frequência... o vizinho do prédio a
frente desviava periodicamente o olhar para fitar a conhecida vizinha de rua,
achando curioso aquele ritual. Foi então que ele tomou um grande susto, a
garota havia saído da janela! O céu alaranjado impedia ver tudo o que acontecia
do outro lado da rua; quando a porta do prédio se abriu e a garota apareceu com
uma pequena mala todas as pessoas ao redor já estavam colados nas janelas
procurando-a. Todos observaram sem entender nada ao vê-la na rua aquela hora.
Agora uma emoção
era refletida nos olhos dela, eles brilhavam intensa e perigosamente, em sua cabeça
havia uma ideia fixada; andando calmamente ela entrou no metrô depois pegou o ônibus
em direção a um único destino. Várias horas depois ela se permitiu um sorriso
leve enquanto olhava novamente por uma janela, o céu estava escuro e as
estrelas pontilhavam todas as partes do céu, o som ritmado do mar acalmava sua
mente e o coração.
Pouco depois
em meio a toda aquela calma ela se deitou na cama larga e fechou os olhos,
descansando a cabeça em um fofo travesseiro pegando no sono profundo instantes
mais tarde; qual seu último pensamento?
Eu vou te
esquecer...
Acordou se
sentindo bem, comeu, tomou um banho e depois vestiu algo leve, colocando alguns
itens dentro de uma delicada bolsa e calçando chinelos confortáveis ela saiu de
casa em direção a praia. O sol subia lentamente em direção ao céu, o vento
quente mas suave a deixava á vontade, os pés afundavam levemente na areia
molhada á beira do mar e ela parava para recolher algumas conchas e devolvia
algumas estrela-do-mar de volta a água.
Foi então que
erguendo o rosto ela acabou enxergando uma grande pedra na qual poderia
facilmente subir, caminhando por alguns minutos ela chegou e ficou ao lado da
pedra observando-a por um momento, logo começou a subir a pedra ficando satisfeita apenas após chegar
ao topo; então sentou-se lá e ficou observando o dourado se tornar azul, as
ondas empurrando os surfistas. A sua cabeça se focava em um único pensamento:
eu vou te esquecer... o coração doía ao lembrar daquele sorriso, aqueles olhos
que o refletiam, do momento tão curto mas que mudara quem ela era, aquele pedaço
que havia perdido gritava para ser encontrado; enterrou o rosto nas mãos tentando
conter a sensação opressora de solidão, o vento agitava brevemente seu cabelo,
o som constante das ondas tocando a praia era pouco confortante.
Respirando fundo
ela ergue o rosto e abraça os joelhos, colocando o queixo sobre o mesmo e fica
olhando a paisagem ao seu redor, a calmaria era intensa e mesmo assim a
angústia sorria pra ela; olhando ao longo da praia viu pessoas caminhando lenta
ou rapidamente por toda a extensão dela começando a prestar atenção em cada um
que passava ali perto. Então seu coração quase parou ao encontrar uma figura
muito bem conhecida, o dono daquele sorriso, seus olhos se encontraram e a
surpresa brilhou naqueles olhos para em seguida sorrirem mais que os lábios.
Em silêncio
ela observou-o andando até onde ela estava, os passos leves e cadenciados o
levavam até ela fazendo-o parar ao lado da grande pedra; foi assim, uma coisa
estranha, sem palavras... eles se olharam e ela apenas observou enquanto ele
subia na pedra sentando-se ao seu lado. Sentiu um aperto no peito e temendo a
resposta a sua reação também não conseguindo segurar, apenas retirou os braços de
redor dos joelhos e deitou a cabeça no ombro ao lado, ele apenas a deixou ficar
lá, colocando seu rosto levemente perto dos cabelos dela.
Foi um gesto
simples que ela percebeu ao sentir aquelas mãos tocando em seu cabelo, fechando
os olhos lentamente ela procurou a angústia que sentia a pouco tempo e não a
encontrou, nem sequer um rastro. Suspirando brevemente ela sentiu os dedos dele
passearem por suas mechas em um carinho, pouco depois ela ergueu a cabeça e
olhou pra ele; seus olhos se conectaram e foi daquele jeito mágico como a
primeira vez na rua. As mentes estavam conectadas e viam a cena como se fosse no
presente, os outros carros, o encontrar dos olhos e aquele sorriso.
Eu vou te
esquecer...
Veio novamente
a frase em sua cabeça, aquilo parecia tão difícil agora que mal sabia como
pudera ter pensado nisso, ela se sentia tão bem ao seu lado. E por enquanto
isso bastava, e talvez isso sempre bastaria...